sexta-feira, 24 de outubro de 2008

A festa dos anjos


O céu resolveu desabar. A chuva que ajudou a todos dormirem com seu barulho suave e nostálgico, agora deixa o quarto claro com seus raios pouco intervalados. São 2:45 am no relógio da cabeceira da cama de casal, entretanto devem ser 2:30, pois a mãe adora acordar mais cedo para fazer leite com chocolate e canela, bebida favorita de Isabela que há quatro anos é acordada carinhosamente no mesmo horário com uma mamadeira bem quente.

A mãe já aguardava a visita de sua filha na cama e não precisou esperar muito. O rostinho de choro deu origem a abraços, cafunés, beijos e uma breve história:

- Bela, Papai do céu está em todos os lugares, está com vovó, com suas amigas, com a Maria.

-Ele também está com o papai?

-Claro flor. Ele sempre faz com que o sol brilhe para você ver as árvores, para você ouvir os pássaros, pra você brincar. Deus faz tudo para que todos possam ser felizes, espertos e lindos como você. A filha respira profundamente como se aqueles elogios inconscientemente afirmasse que ela é especial, sempre será amada e a tempestade que destrói a cidade lá fora nunca alcançará sua cama. A mãe enrola mais os cachinhos de sua querida e continua:

-Deus trabalha por todos e as vezes El tira uma folga; não significa que ele parou de orar por nós, mas resolveu pensar um pouco mais nele. Os amigos são convidados, São Pedro, São Paulo, os anjos da guarda tiram uma folguinha do seu plantão, as santas incluindo Santa Tereza, sua protetora, e todos os outros vão à uma festa no céu. Assim como você brinca na escolinha, Papai do céu dança, canta e conversar. Só que são muitos convidados, muito mesmo e fazem barulho. Quando pulam bem forte, quando cantam alto ou quando alguém tropeça e cai no chão acontece o trovão.

-Mamãe e o relâmpago?

-O que que você acha minha filha?

A criança rápida como a luz responde não sei e abre bem os olhos esperando a resposta da mãe.

-São foguetes iguais aos que vimos na televisão.
Isabela faz cara de pensativa e pergunta:

-A festa que Deus faz, mãe, tem da bebida que papai falou que eu não posso beber? E os santos brigam e batem um no outro igual você e papai quando dançam no dia que ele chega de viagem do serviço?

O brilho da mãe de Isabela some, a chuva parece que ficou mais forte ou foi o silêncio que aumentou, aumentou, aumentou...

-Mãe, continua com o carinho no cabelo.

A ingênua menina não entendia o que acontecia. Em nenhum momento ela pensou que suas palavras ofenderam alguém, principalmente sua mãe. Bela ia pedir mais uma vez carinho quando viu sua mãe chorar.

-Você está com medo?

A mãe abre um sorriso amarelo e retorna com o cafuné.

-Mãe, papai me disse que medo é algo da nossa cabeça, se contar até 20 e pensar no Papai do céu ele some.

A senhora que estava na cama contou ate 20 e não adiantou pensar em Deus, pois esse estava em uma festa. A bela criança adormeceu esperando ser acordada com leite, sem medo de que algum dia a tempestade alcançasse sua cama.

Thiago Albino

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